Por Josias de Souza
A nota que Dilma Rousseff divulgou sobre a decisão que levou a Petrobras a enterrar US$ 1,2 bilhão na obsoleta refinaria de Pasadena, no Texas, converteu a presidente numa personagem sem nexo. Ela comandava o Conselho de Administração da estatal petroleira na época do fechamento do negócio, em 2006. Participou da reunião em que o martelo foi batido. Avalizou a transação.
Agora, Dilma sustenta que só concordou com o negócio porque se baseou num “resumo executivo” preparado pelo então diretor Internacional da Petrobras, Nestor Cerveró. Segundo ela, o documento se revelaria posteriormente “técnica e juridicamente falho”. Omitia cláusulas que, “se conhecidas, seguramente não seriam aprovadas pelo Conselho” da Petrobras. Beleza.
Mas Dilma obrigou-se a responder a pelo menos três interrogações.
1. Por que não ‘espancou’ a proposta?
Em janeiro de 2012, ao ser empossado no Ministério da Educação, Aloizio Mercadante ensinou a Marco Antonio Raupp, o cientista que o substituiu na pasta da Ciência e Tecnologia, como deveria proceder ao apresentar uma nova ideia para Dilma. “Toda vez que você levar um projeto, ele vai ser desconstituído'', disse Mercadante, arrancando risos da plateia.
A presidente submeterá o projeto a “um espancamento, para verificar se fica de pé”. Quando isso ocorrer, lecionou Mercadante a Raupp, “volte pra casa, junte a equipe, trabalhe intensamente e volte a apresentar o projeto. É exatamente assim. Os ministros sabem que estou dizendo a mais absoluta verdade. E isso é atitude de quem tem compromisso com o gasto público.''
Recém-promovido à chefia Casa Civil da Presidência, Mercadante ajudou a redigir a nota na qual essa Dilma implacável se autoconverteu numa gestora precária e descuidada. Mercadante deveria ter perguntado:
“Presidenta, por que diabos a senhora não submeteu a um espancamento a proposta de aplicar R$ 360 milhões, em 3 de fevereiro de 2006, na compra de 50% de uma refinaria que, um ano antes, velha e desativada, havia sido 100% adquirida pela belga Astra Oil por US$ 42,5 milhões?”
Se Dilma tivesse dado uma surra no “resumo executivo” do doutor Nestor Cerveró, o autor da peça decerto voltaria pra casa, juntaria sua equipe, trabalharia intensamente e concluiria que a valorização de 1.500% propiciada à Astra Oil não era apenas um mau negócio. Era um escândalo. Construído com o aval de Dilma —ou de uma sósia dela. Mercadante tem de exigir um exame de DNA.
2. Por que manteve José Sérgio Gabrielli?
Dilma sustenta em sua nota que só se deu conta de que o negócio cheirava mal em 3 de março de 2008. Tomou um susto ao ser informada de que a Petrobras teria de se tornar proprietária única da Pasadena Refining, comprando os 50% que tinham restado nas mãos da sócia Astra Oil.
Foi só nesse dia, alega Dilma em sua nota, que o Conselho da Petrobras, sob sua presidência, tomou conhecimento daquelas cláusulas contratuais que o doutor Nestor Cerveró omitira em seu “resumo executivo”. Os conselheiros, Dilma entre eles, se recusaram a pagar o valor exigido pela Astra Oil. Coisa de US$ 700 milhões. Após uma batalha judicial, a Petrobras teve de desembolsar muito mais: US$ 839 milhões.
O segundo desembolso aconteceu em 13 de junho de 2012. A essa altura, Dilma já não presidia o Conselho da Petrobras, mas a República. Ela sabia desde 2008 que o leite de Pasadena tinha derramado. Como chefe da Casa Civil, não lhe cabia ficar lamentando a situação e sim ajudar o Lula a enxergar que a presidência de José Sérgio Gabrielli não fazia bem à Petrobras.
Algum áulico pode dizer que Dilma avisou. Mas Lula não quis escutar. Bobagem. Depois que sentou na cadeira de presidente, em janeiro de 2011, Dilma poderia ter mandado Gabrielli ao olho da rua quando bem entendesse. Mas ela o manteve no comando da estatal por mais de um ano. Livrou-se dele apenas em 13 de fevereiro de 2012.
Repetindo: Graça Foster, a atual presidente da Petrobras, sentou-se na cadeira que era de Gabrielli um ano, um mês e 13 dias depois da chegada de Dilma à cadeira de presidente da República. Gabrielli saiu da estatal sob elogios públicos. E virou secretário de Planejamento do governo petista de Jaques Wagner, na Bahia.
3. Por que o diretor do parecer “falho” continua na Petrobras?
Ao escrever em sua nota que não sabia das cláusulas contratuais tóxicas que converteram a maior estatal brasileira em feliz proprietária de um mico americano, Dilma declara, com outras palavras: “Sim, eu presidia o Conselho da Petrobras, mas não posso ser responsabilizada pelo derramamento de leite. Em verdade, sou vítima.”
Um petista da linha Rui Falcão esticaria o dedo e ecoaria a nota de Dilma: foi o Nestor Cerveró, esse escritor de pareceres ‘falhos’, quem derramou o leite que a oposição e a imprensa golpista tentam fazer respingar na biografia da presidente. Surge, então, a terceira interrogação.
Sob Lula, Nestor Cerveró, um executivo que ninguém apadrinhou —nem o PT de Delcídio Amaral nem o PMDB de Renan Calheiros— deixou a diretoria Internacional da Petrobras em 2008, dois anos depois de ter aconselhado a compra de Pasadena. Mas não ficou sem contracheque. Virou diretor financeiro da poderosa BR Distribuidora, subsdidiária da mesma estatal. Sentada na cadeira de presidente da República desde janeiro de 2011 —já lá se vão três anos, dois meses e 21 dias— Dilma não se animou despachar Cerveró para bem longe do cofre. Por quê?
Enquanto a ex-Dilma não voltar a fazer sentido, convém à plateia perguntar aos seus botões: vocês confiariam uma bandeja com um copo de leite, mesmo que metafórico, a uma pessoa que trata todo mundo a pontapés e passa pomada em quem produz um escândalo de US$ 1,2 bilhão? Seus botões talvez não respondam. Mas qualquer garçom de boteco dirá: nã, nã, não. De jeito nenhum!
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