O homem do carro preto
O Estado de S.Paulo
Em janeiro de 2002, o prefeito petista de Santo André, Celso Daniel, foi sequestrado, torturado e morto a tiros.
Desde a primeira hora, o seu partido fez o que podia para que a polícia considerasse o assassínio do companheiro crime comum.
Mas não conseguiu evitar que, ao cabo de 5 anos de investigações, o Ministério Público paulista concluísse que Daniel foi eliminado por uma razão incomum.
Ele queria acabar com a "privatização" das propinas arrecadadas de empresas de transporte da cidade.
O esquema era operado pelo segurança do prefeito, Sérgio Gomes da Silva, o Sombra - preso e prestes a ser julgado como mandante do assassínio do chefe.
Graças ao testemunho de João Francisco Daniel, irmão do prefeito, soube-se também que o então secretário de governo do município, Gilberto Carvalho, era o incumbido de repassar o dinheiro ao partido.
Ele próprio contou isso a João Francisco, acrescentando que entregava as somas ao presidente da legenda à época, José Dirceu. As acusações não tolheram a carreira de Carvalho. Desde 2003, ele chefia o gabinete do presidente da República.
Ele corre o risco de ter os seus direitos políticos suspensos durante até 10 anos e de ter de devolver uma parcela dos milhões desviados da prefeitura de Santo André.
É a pena que o Ministério Público pede para Carvalho e outras cinco pessoas, além de uma empresa e do próprio PT, numa ação apresentada em 2007 - e que, enfim, foi plenamente acolhida.
Na semana passada, negados os últimos recursos dos acusados, a juíza Ana Lúcia Xavier Goldman confirmou a pronúncia de Carvalho e demais envolvidos como réus de uma processo por improbidade administrativa.
Em casos do gênero, os acusados têm direito à defesa prévia - o que, em boa parte, explica os 3 anos transcorridos entre a iniciativa dos promotores e o início efetivo da ação judicial.
Carvalho, que já foi ouvido sobre o esquema de corrupção pelo Ministério Público e pela CPI dos Bingos do Senado em 2005, diz estar com a consciência "absolutamente tranquila".
Por que não?
O prefeito com quem trabalhou decerto também tinha a consciência em paz enquanto imaginava que todo o produto da chantagem a que a sua gente submetia os prestadores de serviços ao município estava em boas mãos - nos cofres clandestinos do PT.
Carvalho se permitia até debochar de quem o procurava para denunciar "que havia coisas erradas na administração Celso Daniel", lembra a psicóloga Mara Gabrilli, cujo pai era dono de uma empresa de ônibus, a Viação Expresso Guarará, submetida à extorsão pela
prefeitura.
Inicialmente tentou reagir à chantagem.
Mara, que entraria para a política, se elegeria vereadora e, agora, deputada federal pelo PSDB, chegou a procurar o presidente Lula no seu apartamento em São Bernardo para denunciar o que estava ocorrendo.
"Ele me recebeu por 40 minutos, eu contei tudo. Mas nenhuma medida foi tomada", relata. Diante disso, ela resolveu procurar o Ministério Público.
No banco dos réus, fazem companhia ao primeiro interlocutor de Lula o Sombra, o empresário Ronan Maria Pinto e o ex-secretário de Transportes de Santo André Klinger Luiz de Oliveira Souza, entre outros, mais o PT.
Segundo a denúncia, o segurança do prefeito entregava o dinheiro extorquido ao empresário, que o repassava a Carvalho.
Ele, por sua vez, se incumbia de levá-lo ao PT.
"A responsabilidade de Klinger e Gilberto Carvalho decorre de sua participação efetiva na quadrilha e na destinação final dos recursos", especificaram os promotores.
"Era voz corrente na cidade", recorda Mara, "que Gilberto Carvalho era o homem do carro preto, o cara da mala, que levava dinheiro da corrupção para José Dirceu."
26 de outubro de 2010
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